Segundo especialistas do Hospital Santa Catarina - Paulista, a adoção de determinados hábitos no regime de trabalho à distância pode contribuir para o surgimento de diferentes problemas físicos e psicológicos, que podem ser prevenidos com atenção, cuidado e disciplina
Mesmo antes da implementação das restrições de isolamento social impostas pela pandemia, o home-office já era uma modalidade oferecida, em regime parcial, por muitas empresas, como uma espécie de benefício. Atualmente, este recurso tem se apresentado como um grande aliado para aqueles que querem manter a produtividade, sem comprometer a segurança e bem-estar de seus colaboradores. Um levantamento divulgado pelo Ipea em novembro de 2020 identificou que cerca de 7,3 milhões de brasileiros trabalham remotamente, contabilizando cerca de 9,1% da população ocupada e não afastada. Além disso, dados de uma das maiores plataformas de busca de vagas do país demonstraram que, em 2020, as ofertas de trabalho para regimes flexíveis aumentaram 309%. Desde então, esta modalidade de interação tem ganhado cada vez mais destaque no mercado de trabalho e, para muitos brasileiros, já se tornou um fator intrínseco do cotidiano. Com a adoção a longo prazo do home-office, surgem alertas para novos hábitos que, quando não monitorados adequadamente, podem levar a incidência de complicações físicas e psicológicas envolvendo diversas especialidades.
Visão
A exposição por longos períodos a monitores está entre as principais mudanças de hábito adotadas no trabalho à distância e, segundo Dr. Victor Cvintal, oftalmologista do Hospital Santa Catarina - Paulista, esta prática pode levar a determinadas repercussões oculares. “A utilização dos monitores leva a uma eventual diminuição na frequência do piscar dos olhos e isso pode acarretar em uma instabilidade da qualidade de visão", adiciona o Dr. Cvintal. O especialista aponta que este fenômeno diminui a lubrificação dos globos oculares e, por isso, sintomas como a secura e ardor podem surgir como consequência. Além disso, quando utilizados por períodos prolongados, estes dispositivos podem, até mesmo, alterar determinados aspectos da visão como a capacidade de enxergar de perto e, nas crianças, estimulam a miopia. Quando o assunto é a prevenção deste desconforto, o especialista recomenda um piscar voluntário ocasional para garantir um nível de lubrificação adequado, além do uso de lubrificantes para estabilizar a lágrima, pausas a cada 20 minutos no trabalho, evitando o uso da visão para perto por 20 segundos, e atividades diárias ao sol. É importante lembrar que a posição do monitor é fundamental para a saúde ocular: a pessoa deve estar sentada a um braço de distância, com o monitor ligeiramente abaixo da linha dos olhos, e seu brilho não deve competir com a luz ambiente.
Ergonomia e sedentarismo
A falta de atividades físicas e a adoção de determinadas posições inadequadas no trabalho à distância também são fatores que levantam certa preocupação em relação aos cuidados durante o home-office. O cenário pandêmico eliminou temporariamente a necessidade de locomoção ao trabalho que, para muitos, envolvia breves caminhadas que contribuem para a manutenção do sistema musculoesquelético. De acordo com o Dr. Renato Sorpreso, ortopedista do Hospital Santa Catarina – Paulista, além da extinção destes pequenos momentos de atividade física, a utilização de ambientes residenciais como escritório gera situações ergonomicamente desfavoráveis. “A posição sentada é a mais adotada nos ambientes de trabalho, porém a manutenção prolongada deste hábito ocasiona a adoção de posturas inadequadas e a sobrecarga de determinadas estruturas corporais, o que pode levar à dores no pescoço, lombar, dorsal, braço, antebraço, mãos, entre outras regiões. Por isso, permanecer sentado por longos períodos trabalhando no computador é uma das principais causas das dores posturais durante o home-office”, salienta o especialista. Para prevenir esse possível mal-estar e compensar a falta de exercício, o Dr. Sorpreso recomenda a adoção de uma rotina de atividades físicas na proporção de 5 a 7 dias por semana, acumulando 210 a 400 minutos no período indicado.
Alimentação
Quando o assunto é a alimentação durante o trabalho a distância, surge um alerta em relação ao consumo excessivo de determinados tipos de carboidrato. Os chamados carboidratos simples, que incluem mel, açúcar, xarope de milho e farinhas são os que mais merecem atenção no dia a dia, pois são práticos e, ao contrário dos carboidratos complexos, não possuem um nível relevante de nutrientes, vitaminas e fibras. Uma pesquisa conduzida em 2020 pela Fiocruz demonstrou que o consumo de doces e chocolates, que fazem parte deste grupo alimentício, aumentou 63% entre jovens adultos em meio à pandemia. De acordo com o Dr. Ricardo Rienzo, endocrinologista do Hospital Santa Catarina - Paulista, uma das primeiras repercussões da ingestão exacerbada desta categoria alimentícia é o risco de aumento das triglicérides, que contribuem para o armazenamento de energia. “Quando os triglicerídeos se encontram em alto nível no sangue, a probabilidade para o desenvolvimento de doenças cardíacas aumenta", completa o Dr. Rienzo. Entre as ações que podem ser adotadas para evitar o desenvolvimento de complicações relacionadas a este fenômeno estão a prática de atividades físicas e a manutenção de uma dieta balanceada, garantindo que os carboidratos respondam por, no máximo, 60% das refeições individuais. No caso dos açúcares, a Organização Mundial da Saúde recomenda que estes devem compor 5% das refeições. Segundo o especialista, anotar os hábitos alimentícios pode contribuir para este monitoramento.
Cardiopatias
Vale notar que o sistema cardiovascular também pode ser impactado pelos hábitos desenvolvidos nesta nova modalidade de trabalho e, por isso, os cuidados relacionados ao coração são de extrema relevância neste cenário. Embora o regime de home-office contribua positivamente para evitar a circulação de pessoas na rua em meio à pandemia, a permanência em casa por longos períodos pode levar ao sedentarismo, facilitando a incidência de complicações que geram maior vulnerabilidade frente às cardiopatias. De acordo com o Dr. Nilton Carneiro, cardiologista do Hospital Santa Catarina - Paulista, esta inatividade pode levar ao sobrepeso, descontrole dos níveis de pressão arterial, glicemia e colesterol. “Todos estes itens são fatores de risco para desfechos cardiológicos mais graves como infarto, arritmia ou acidente vascular cerebral. Vale notar que além da falta de exercícios, o trabalho à distância pode causar a mudança de certos hábitos dietéticos que devem ser monitorados, pois o consumo em excesso de determinados alimentos também pode incitar o surgimento de complicações desta natureza”, completa. Em relação à prevenção destas condições, o especialista indica uma rotina organizada, que contemple a prática de atividades físicas e, além disso, uma dieta balanceada, monitorando o consumo de bebida alcoólica e alimentos gordurosos. O Dr. Carneiro também indica a utilização de recursos digitais para o agendamento de consultas periódicas, por meio da telemedicina, que pode ser utilizada para diversas especialidades, inclusive a Cardiologia.
Saúde mental
Além das repercussões físicas, a permanência no regime de home-office por longos períodos, sem atenção para os cuidados adequados, pode facilitar a incidência de comorbidades psicológicas. A chefe da equipe de psicologia do Hospital Santa Catarina - Paulista, Giovana Rossi Lenzi, aponta que este fenômeno causa uma sensação de confinamento e, por isso, é comum que indivíduos submetidos a estas circunstâncias apresentem quadros de estresse agudo. “Por permanecerem em um único ambiente, acabam trabalhando com uma carga horária superior em comparação com o cenário pré-pandemia, gerando um esgotamento maior. Muitas pessoas alteram a rotina de sono e alimentação, o que impacta diretamente no estado de saúde física e emocional, e na produção de hormônios que regularizam e geram bem-estar no organismo”, adiciona. Para prevenir estas complicações, a especialista recomenda a manutenção de uma rotina regrada, com foco no equilíbrio entre atividades profissionais e recreativas, além da adoção de estratégias de autocuidado. “Também é indicado a segmentação de determinados ambientes no espaço residencial, a fim de separar e organizar fisicamente, e mentalmente, as tarefas laborais dos momentos de trabalho, lazer e descanso. Desta forma, torna-se mais simples atingir certa harmonia na hora de investir tempo em atividades distintas”, finaliza.